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Por Henrique Schuster
Por décadas, o Vale do Rio Pardo foi sinônimo de terra fértil, trabalho e produção em massa. De lavouras de fumo a plantações de milho e soja, de grandes produtores a pequenas propriedades de agricultura familiar, essa região do interior do Rio Grande do Sul sustenta economias locais, abastece mercados e preserva as mãos de obra rurais.
Hoje, esse mesmo Vale colhe algo bem diferente: insegurança, perdas e incerteza. A crise climática, marcada por uma alternância brutal entre longas estiagens e enchentes violentas, transformou a rotina do agricultor em um jogo imprevisível. Enquanto o clima castiga, o apoio, quando chega, é tardio.

Clima imprevisível, prejuízo constante
No intervalo de apenas dois anos, o Vale do Rio Pardo enfrentou tanto a seca histórica de 2022 quanto as enchentes devastadoras de 2023, 2024 e, agora, 2025. As lavouras que resistem à estiagem sucumbem ao excesso de água. As estradas rurais ficam intransitáveis, dificultando a logística da produção. Os insumos sobem de preço, enquanto a colheita diminui.
Segundo dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul e Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (Emater/RS-Ascar), as perdas acumuladas na produção agrícola da região ultrapassaram R$ 5,3 bilhões entre 2023 e 2024. Mais de 206 mil famílias de produtores perderam safras inteiras e a maioria não conseguiu apoio rápido do governo, tampouco acesso facilitado a crédito emergencial.
Para além dos números, há o drama humano: famílias que viram sua renda desaparecer com a mesma velocidade com que a água invadia suas casas. Gente que vive do campo, mas não sabe mais se pode continuar nele.
A equipe de reportagem conversou com o produtor Geraldo Eidt, morador de Rio Pardo, que está há mais de 30 anos no ramo da agricultura e alegou o impacto que a estiagem causa na região do Vale: “já enfrentamos cinco anos de frustração de safra e no último ano de chuvas prolongadas, mesmo que seu produto esteja pronto e chova demais, você não consegue tirar ele da lavoura. Esse é o principal problema que vem atingindo a agricultura no Rio Grande do Sul”.
Geraldo também comentou como é o planejamento para a próxima safra: “não tem condições de aumentar a produtividade, o custo da lavoura está altíssimo, é inviável atualmente. Então é feito assim, uma lavoura de baixo custo pra ver como vai se sair na safra, se não é muito difícil da agricultura se manter com tudo isso que aconteceu nos últimos anos, e também os preços dos insumos, fertilizantes, arrendamentos, óleo diesel”.
Defesa Civil: presença constante, estrutura limitada
Diante da frequência dos eventos extremos, a Defesa Civil tem se tornado constante nas comunidades do Vale. Alertas são emitidos, famílias são evacuadas, kits de emergência são distribuídos. A atuação é importante, mas insuficiente diante do tamanho da crise.

A maioria das ações ainda é reativa, e não preventiva. Faltam investimentos em contenção de encostas, drenagem rural, recuperação de áreas de risco e sistemas de irrigação em épocas de estiagem. Quando a água baixa ou o solo racha, as marcas ficam — e o agricultor continua sozinho.
A reportagem ouviu Andreia Moreira, representante da Defesa Civil do estado que, há 7 anos, tem atuado diretamente nas ocorrências na região do Vale do Rio Pardo. Ela falou sobre os desafios enfrentados na região e a necessidade de mais recursos e planejamento. “O governo do estado adotou a partir do ano passado o gabinete de crise. [Eles] são orientados para alertar o município de Santa Cruz do Sul, que é o núcleo de todo o Vale, então eles montam um gabinete com helicópteros, viaturas, e trazem uma força tarefa do estado para a região afetada”.
Andreia comentou também como funciona a organização de acordo com a urgência da crise: “existe um grupo no WhatsApp onde tem as outras coordenadorias do estado. Nesse grupo são feitos os alertas para a população, como chuvas intensas, enxurradas, granizo, vento, enchentes, entre outras possibilidades, para informar um cenário para a região inteira”.
O preço de ser invisibilizado
As mudanças climáticas já não são uma ameaça futura, são realidade. No entanto, as políticas públicas ainda tratam as catástrofes naturais como imprevistos isolados, e não como parte de um novo padrão climático.
O resultado fica nítido a cada dia, e o agricultor paga por tudo: pelo insumo que encarece, pela estrada que quebra, pela semente que apodrece ou queima no solo seco. E quando perde, perde também a confiança de que vale a pena recomeçar. Muitos jovens abandonam o campo, e o interior vai esvaziando silenciosamente.
Faltam ações infraestruturais. Falta planejamento das políticas regionais. Falta valorização de quem planta, colhe, cria e alimenta. O que sobra são promessas, formulários e o velho discurso de que “o interior é resiliente.” Mas resiliente até quando?
Apesar do cenário preocupante, existem caminhos possíveis: incentivo à transição agroecológica, ampliação do seguro rural, criação de redes de apoio técnico aos produtores, melhorias na infraestrutura rural, estímulo a tecnologias de monitoramento climático e políticas específicas para regiões vulneráveis.
Mais do que reação, o Vale do Rio Pardo precisa de prevenção. Precisa ser visto não apenas quando a água invade as casas, mas também nos períodos secos, quando o desespero é silencioso e invisibilizado. A crise climática é um fenômeno global, mas seus impactos são locais — e exigem respostas nesse mesmo âmbito, específico, alinhado a prioridades reais no orçamento público.
O Vale do Rio Pardo é uma terra que ainda produz, que ainda resiste, mas que já dá sinais de esgotamento. Os agricultores seguem fazendo sua parte. Agora, é o poder público que precisa fazer a sua: não com discursos de ocasião, mas com planejamento de verdade.
Seguir ignorando quem planta pode fazer com que, no futuro, tenhamos que importar até mesmo o que sempre nasceu aqui.

Por Henrique Schuster
Estudante de Jornalismo da Unisc