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Por Évelin Nyland
O Centro de Bem-Estar Animal (CBEA) de Santa Cruz do Sul foi inaugurado em 2024 com a promessa de melhorar as políticas públicas voltadas à causa animal no município. A estrutura moderna, planejada para abrigar até 180 animais entre cães e gatos, deveria ser uma resposta ao antigo canil, superado e precário. No entanto, em menos de um ano de funcionamento, o novo espaço já sofre com os mesmos problemas de antes — em especial, a superlotação.
“Santa Cruz do Sul tem uma constância de animais em situação de abandono”. Tiago Marques, médico veterinário

Atualmente, o Centro abriga 228 cães — sem contar os 50 que seguem em tratamento em clínicas, outros 14 que estão em lares temporários, e 11 gatos. “Estamos em processo de superlotação desde março do ano passado”, afirma Bruna Molz, secretária de Bem-Estar Animal. As baias, projetadas para cinco animais, chegam a abrigar até 11. Isso gera brigas, estresse e um desgaste diário tanto para os animais quanto para a equipe do CBEA.
O total de animais que entra no Centro supera com folga os que saem. “Conseguimos doar 117 animais em 100 dias de governo, mas entraram 190 no mesmo período. O número de animais que sai é muito inferior ao que entra […] Lamentavelmente, não estamos tendo o efeito esperado com as feiras de adoção”, comenta Bruna.

A funcionária Cláudia da Silva, que trabalha na limpeza e no cuidado dos animais, descreve como é a rotina no CBEA: “É bem difícil, sabe? Muito cachorro dentro do mesmo local gera brigas… A gente reza todos os dias para que alguém venha e adote […] e a gente se apega, não tem como. É o teu trabalho, mas eu trabalho com amor, sabe? Eu venho trabalhar assim, com vontade, sabe? Com disposição, pensando ‘Hoje eu vou cuidar dos meus bichinhos’, entende?”.
Além da estrutura física comprometida, a superlotação atinge o emocional dos funcionários. “Afeta a gente porque tu fica pensando: a cada dia chega mais. Isso não é culpa dos animais, é da sociedade”, afirma Cláudia. Mesmo assim, os cuidados com os bichos são mantidos com rigor: ração, vermífugos, vacinas e acompanhamento veterinário estão garantidos. “Eles são bem tratados, vacinados, vermifugados, têm tudo”, completa.
O veterinário Tiago Marques, responsável pelos atendimentos clínicos e também pela parte administrativa do Centro, observa um aumento alarmante nos chamados de urgência: “em 2016 nós tivemos, durante o ano, em torno de 76 chamados. Em 2024, fechamos com 512”. A rotina, segundo ele, exige triagem, medicação e muitos cuidados. O acúmulo preocupa — “é uma demanda muito grande para um local onde temos 17, 18 adoções no mês e entram de 45 a 52 animais”.
As tentativas de explicação para tantos abandonos são múltiplas. “Muitos desses animais têm tutor, mas vivem soltos. Há quem abandone por problemas de comportamento, idade, ou simplesmente por não querer mais o cão”, explica Tiago. “No verão, principalmente no Natal e Ano Novo, o abandono cresce muito, por conta das férias e viagens. Os tutores saem para viajar e abandonam o animal”, relata Bruna.
Apesar das dificuldades, a gestão atual promove algumas medidas. “Estamos alterando a legislação municipal para implementar o CED, que é a Captura, Esterilização e Devolução. Também fazemos campanhas nas escolas e fiscalizações com aplicação de multas contra maus-tratos […] Castrações são oferecidas gratuitamente, mas muitas pessoas marcam e não comparecem”, conta a secretária. O objetivo é reduzir a população de rua sem depender exclusivamente do abrigo.
Tiago também defende alternativas complementares. “A política de cães comunitários funciona: você castra, dá os cuidados, identifica e ele volta à comunidade. Outra ação é educar a população. Já realizamos palestras nas escolas e encontros com universidades e vereadores”. Segundo ele, é preciso lembrar que políticas públicas de causa animal são de longo prazo: “tem que ter um plano e esse plano deve ser seguido durante os diversos governos que passarem”.
A população pode contribuir de várias formas: doando ração, compartilhando fotos dos animais, oferecendo lares temporários ou até mesmo apadrinhando um cão. “A população é o elo principal de toda essa cadeia”, reforça Tiago.
A principal esperança, contudo, segue sendo a adoção consciente. “Adoção, conseguir lares, é muito importante para a gente”, comenta Bruna. Tiago incentiva a adoção dos que são mais dificilmente escolhidos: “o cão idoso é excelente para adoção… É calmo, respeita os espaços, sabe brincar com crianças. Ele vai ser um companheiro”.
Para quem tem interesse em adotar, o Centro de bem estar animal está aberto durante a semana, das 8h30 às 14h30, sem fechar ao meio-dia. Ele fica localizado nos fundos da Granja Municipal, em Linha Santa Cruz. A visita de todos é de extrema importância.
Os olhos esperançosos dos animais continuam à espera. Não apenas de um lar, mas de uma sociedade mais responsável. Afinal, o dobro de focinhos também exige o dobro de empatia.

Por Évelin Nyland
Estudante de Jornalismo da Unisc